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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

DO MUNDO VIRTUAL AO ESPIRITUAL

Postado por : Rosangela

Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, daMongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos,recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, euobservava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de esperacheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos,geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomadocafé da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outrocafé, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos doismodelos produz felicidade?" Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, eperguntei: "Não foi à aula?" Ela respondeu: "Não, tenho aula à tarde".Comemorei: "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até maistarde". "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..." "Quetanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês, de balé, de pintura,piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada.Fiquei pensando: "Que pena, a Daniela não disse: "Tenho aula demeditação!" Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmenteequipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresasconsideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a InteligênciaEmocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue serelacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículosescolares incluírem aulas de meditação! Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960,seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessentaacademias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malharo corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação doespírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava odefunto?". "Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!" Mas comofica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidadeamorosa? Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-sena realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade.Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pegaaids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado emseu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio,sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou dequadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores,não há compromisso com o real! É muito grave esse processo deabstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais,religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vaipor outro lado, pois somos também eticamente virtuais… A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamentodo espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, éum problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamosum pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo,então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil oapresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecilquem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não conseguevender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado dasoma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!" O problema éque, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira odesejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quemresiste, aumenta a neurose. Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dosseus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me daro direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: viraro desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! Ogrande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo,começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamentoglobalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor.Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis:amizades, auto-estima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vaià Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deveprocurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de queela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam statusconstruindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shoppingcenter. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhasarquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir dequalquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E alidentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças derua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno,aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos,todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitadospor belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reinodos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar nocheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar,certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos naeucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e omesmo hambúrguer do McDonald's… Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas:"Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olharesespantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava dedescansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quandovendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenasobservando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."

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